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Carlos José Saldanha Machado

Contribuições de um cientista social para aproximar a virologia ambiental das políticas públicas no Brasil

 

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir o resultado de uma parceria entre um cientista social, especialista no estudo das relações entre ciência, tecnologia e políticas públicas em saúde e em meio ambiente, e dois virólogos, especialistas na detecção e caracterização molecular de vírus responsáveis pelas gastrenterites agudas e presentes em ecossistemas aquáticos e no desenvolvimento de metodologias de diagnóstico, todos pesquisadores de uma Instituição Pública de Pesquisa em Saúde. Trata-se de uma ação, empreendida por um cientista social, de aproximação entre uma tecnociência, a virologia ambiental, e um conjunto de políticas públicas voltadas para o planejamento e gestão da cidade, do ambiente, dos recursos hídricos, do saneamento, da zona costeira, da segurança alimentar e da vigilância sanitária. É uma ação resultante de um diagnóstico do cientista social das transformações que atravessam o mundo contemporâneo, num ritmo sem precedente, e através de uma variedade de escalas, onde as pesquisas científicas são “intimadas” a atenderem às demandas sociais, e do desejo dos virologistas de se envolverem com um mundo que não é o seu, o das políticas públicas federais pertencentes ao vastíssimo e intrincado arcabouço jurídico brasileiro. Agir nesse mundo é possível porque diversos instrumentos que estruturam e implementam essas políticas estão abertos a profissionais da comunidade científica com os virologistas. O trabalho em parceria, num mundo em mudanças, advém do entendimento comum de que as pesquisas que desenvolvemos estão prioritariamente voltadas para a busca de soluções de problemas em saúde pública e o valor da sustentabilidade com redução da pobreza e justiça social deve ser promovido. Nesse mundo em mudanças, os processos sociais, tecnológicos e ecológicos relacionados à saúde e à doença, à alimentação e à agricultura, ou às questões ambientais, não são apenas dinâmicos em si, mas também interagem de maneira complexa demandando novos métodos, novas técnicas e novos instrumentos de pesquisa, ou seja, novos rearranjos nos espaços de produção de conhecimentos, os laboratórios. Aspectos diversos da vida humana e de uma sociedade apontam de forma inequívoca para a interdependência entre questões ambientais, sociais e econômicas e estão associados diretamente à qualidade do meio ambiente e de vida de sua população, atuando como determinantes no perfil da mortalidade de uma comunidade. Fatores sócio-econômicos como distribuição de renda, condições gerais de saneamento, de trabalho, moradia, escolaridade e outros, têm exercido influência direta no processo saúde-doença. No entanto, a mudança, para melhor, em um único desses fatores é capaz de alterar significativamente o perfil de uma comunidade. Um desses fatores é a água, que veicula doenças transmitidas por via oral e por penetração na pele, tais como, disenteria amebiana, balantidíase, enterite campybacteriana, cólera, diarreia por Escherichia coli, giardíase, diarreia de etiologia viral por rotavírus, norovirus, astrovirus, adenovirus entérico, salmonelose, disenteria bacilar, febre tifóide e febre paratifóide, poliomielite, hepatite A, leptospirose, ascaridíase e tricuríase e esquistossomose. Na administração pública, a falta de integração na gestão dos problemas urbanos, principalmente devido à setorização das ações públicas, tem sido uma das grandes causas da deterioração das condições hídricas nas cidades brasileiras (contaminação dos mananciais; falta de tratamento e de disposição adequada de esgoto sanitário, industrial e de resíduos sólidos; aumento das inundações e da poluição devido à drenagem urbana; ocupação das áreas de risco de inundação, com graves consequências para a população), resultando em custos elevados para a saúde e reflexos diretos na economia e no sector público. A água, substância da vida, tornou-se, então, um elemento natural ameaçado em termos de qualidade e quantidade. Portanto, estamos diante de um cenário de desafios muito grandes para as ciências, sobretudo porque não existem problemas iguais, nem realidade padrão, mas desafios práticos, políticos e morais do nosso tempo, que são ainda maiores num país continental como o Brasil, politicamente diverso, culturalmente heterogêneo, regionalmente e socialmente desigual e resistente à compatibilização entre crescimento econômico, desenvolvimento social e político e proteção do meio ambiente. Nesse cenário, agir em prol da saúde pública exige um trabalho entre mulheres e homens de ciência sob um novo regime, o da colaboração no processo de produção de conhecimentos voltados para a busca de soluções dos problemas que comprometem a sustentabilidade da vida nas cidades, espaços urbanos onde vivem mais de 75% da população brasileira. Em resumo, diante de sociedades contemporâneas complexas e complicadas, a maneira de fazer ciência mudou radicalmente, demandando ações conjuntas entre ciências com processos distintos de formação histórica e de institucionalização, mas abertas ao diálogo, e voltadas para a resolução de problemas geograficamente situados.

 

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